O Gato Que Chora: O Orelha-Longa está deitado ao sol, a descansar. Sente-se preguiçoso. Estamos no Verão. A caça está fechada. Os passeantes só aparecem aos domingos. O guarda foi de férias e levou o seu cão Virgílio. O bosque está belo e calmo, só há folhas, só há silêncio. De repente, o Orelha-Longa espeta a orelha… Está alguém a chorar! Então um rato põe a cabeça de fora de um tronco e diz:
– Não há dúvida!… É a voz de um gato.
Tal como os esquilos e os pássaros, o Orelha-Longa desconfia dos gatos. Eles rastejam e sobem às árvores sem o mínimo ruído. O rato então acrescenta:
– Quando um gato chora assim, é porque está muito triste!
O Orelha-Longa hesita. O gato que chora talvez tenha caído numa armadilha porque os caçadores eram furtivos.
– Com mil trevos! Este caso é um mistério! — resmunga o Orelha-Longa.
A tribo dos orelhudos tem o seu próprio metropolitano. Escava subterrâneos na areia. Cada toca tem várias saídas. O Orelha-Longa conhece-as todas. Assim ele pode aproximar-se, sem ser visto, do gato que chora.
– Com mil trevos! Eu conheço aquele gato — diz o Orelha-Longa. — É o Patafofa, o gato do criador de cabras.
O coelho aparece e diz:
– Vamos fazer as pazes então!
Mas o gato sobressalta-se e depois responde:
– Vamos fazer as pazes!
– Estás doente? — pergunta por fim o Orelha-Longa.
– Não! — mia o Patafofa.
– Então, com mil trevos, porque é que choras?
– Amanhã — choraminga o gato — os meus donos vão visitar uns familiares que moram longe… Resolveram abandonar-me.
O gato não mentia.
O criador de cabras e a mulher estão a meter muitas coisas em malas e sacos. Amanhã, muito cedinho, fazem-se ao caminho. Mas que será do gato deles? O Orelha-Longa não está nada contente. Quer ajudar o Patafofa. Um bode, algumas cabras e um cabrito pastam numa cerca.
– Com mil trevos!… Amanhã os teus donos também vão abandonar estas cabeças de chifres e estas tetas de leite? — resmunga o Orelha-Longa.
– Não! — mia o gato de olhos tristes… — Esta noite, as cabras vão para uma quinta do vale… Os meus donos precisam do leite para fabricar queijos…
– Queijos? — repete o Orelha-Longa.
De repente o coelho parece muito interessado.
– Mas os teus donos dormem com a janela aberta? — pergunta ainda Orelha-Longa.
– Sim, mesmo de Inverno! — reponde então o Patafofa.
Como sempre, quando quer refletir, o Orelha-Longa põe-se de cabeça para baixo. Por fim ele fecha os olhos. Nem um dos seus pelos se mexe. Parece uma estaca com quatro patas, um rabo, bigodes e duas orelhas compridas.
Mas o Patafofa está tão espantado, que se esquece de chorar.
Acha que deve imitar este coelho acrobata.
Zás!… Atira as patas traseiras na direção das nuvens. Catrapus!… Um grande trambolhão. O gato então dá com o nariz no chão de folhas secas. Já não sabe se há-de rir ou chorar. Até tem uma vontade louca de fugir.
De súbito, o Orelha-Longa abre um olho e diz:
– Com mil trevos! Tenho uma ideia.
Na clareira, o Orelha-Longa reuniu a tribo dos focinhos bicudos e rabos compridos. Estão ali arganazes, musaranhos, ratinhos, e até um rato almiscarado que veio do rio. Mas o Orelha-Longa pôs-se em cima de um montículo e fala. Abana as patas e a cabeça para se explicar melhor. As orelhinhas pardas estão atentas. A um canto, dois coelhos constroem uma escada com ramos descascados e cordel. Um mocho saiu de um buraco…
Nunca viu tantos rabos compridos, tantos focinhos bicudos. Os seus grandes olhos fixos brilham de apetite. Gosta de comer ratos. O Orelha-Longa está satisfeito. Todos sabem o que têm a fazer. Só resta esperar pela noite.
Tudo dorme na casa do Patafofa.
O criador de cabras e a mulher deitaram-se mais cedo do que é costume. No meio do pátio, o carro está pronto para partir. Os coelhos então já puseram a escada debaixo da janela do quarto. A família dos rabos compridos sai do bosque e dirige-se a passos ligeiros para a quinta.
Uns atrás dos outros, os musaranhos, os arganazes, o rato almiscarado, e os ratinhos, sobem pela escada e correm pelo quarto escuro.
O Orelha-Longa foi ter com o Patafofa.
– Vamos sair pelo respiradouro! — diz ele ao ouvido do gato. — Temos de conversar.
De repente acende-se a luz do quarto.
Mas os donos da casa acordam sobressaltados.
– Hiii!… hiii! — berra a mulher, levantando os braços. — Hiii!… Ratos!… Ratos por todo o lado!… No chão, em cima da cama, do guarda-vestidos, e da mesa de cabeceira…
O criador de cabras ficou com os olhos arregalados de surpresa. Um rato baloiça na ponta do fio do candeeiro. E além, à janela, dois coelhos fazem caretas… É incrível!
Nesse preciso momento, o gato da casa começa a miar diante da porta do quarto.
– Anda cá, anda cá, Patafofa! — grita então a dona da casa.
O Patafofa empurrou a porta. Encurva o lombo e mostra os dentes como um gato zangado. Mas, esta noite, está só a fingir.
Tem mas é vontade de rir.
Tudo se passa como o Orelha-Longa previu. Os arganazes, os musaranhos, os ratinhos e o grande rato almiscarado, fogem pela janela, com os dois coelhos e a escada.
– Tu és um gato formidável! — grita a mulher.
– É verdade! — diz o criador de cabras. — Amanhã vais conosco… De certeza que lá também há ratos!
A dona do Patafofa vai então à cozinha. Dá ao gato, portanto, uma grande fatia de queijo e chouriço.
Na floresta, chegou finalmente a noite. No entanto, a clareira está iluminada. O Orelha-Longa trouxe as suas três lanternas e transformou três poleiros em candeeiros.
Os rabos compridos dançam um baile de roda à volta de um grande ouriço.
Mas o mocho nem acredita no que vê. Nunca viu um ouriço tão esquisito. Nos picos estão espetados frutos que os focinhos bicudos vão roendo, todos contentes. Foi a prenda do Patafofa para agradecer a ajuda dos seus amigos.
Missão cumprida! — murmura por fim o Orelha-Longa, bocejando. Graças a ele, o Patafofa já não é um gato de olhos tristes. Esta noite vai dormir então de coração feliz. Amanhã não será abandonado pelos donos. Mas pela primeira vez na sua vida de gato, o Patafofa vai viajar.
Pierre Coran O gato que chora
Porto, Editorial Caminho, 1989
(texto adaptado)