Micha e o Mistério da Páscoa – Conversas Noturna: Já era tarde. No pequeno quarto, as esteiras já tinham sido arrastadas de forma a haver lugar para as crianças todas. Pouco depois, aconchegavam-se umas às outras e sentiam prazer em adormecer tão quentinhas e em segurança.
Claro que primeiro cochicharam umas com as outras a dizer disparates, guincharam e riram até Rute impor silêncio com uma palavra enérgica.
Só que Micha e Daniel segredavam ainda um com o outro. Micha queria saber muito mais sobre o que Daniel tinha vivido nos últimos três meses com Jesus. E Daniel contava com agrado.
Os rapazes assustaram-se quando voltaram a bater à porta de casa.
Jonatan tornou a ir à porta e abriu após ligeira hesitação.
Os rapazes só ouviam segredar. Não puderam perceber nada mas, mesmo assim, Micha reconheceu algumas vozes.
– São vizinhos e amigos dos meus pais — segredou ao ouvido de Daniel.
Estavam deitados lado a lado de olhos fechados, com a respiração suspensa, a escutar a conversa dos adultos que se tinham sentado à volta da mesa.
– Ouves? Também estão a falar de Jesus — disse Daniel em voz baixa.
– Chiu! — Micha tinha medo que os outros pudessem acordar. — Estão a dizer que amanhã de manhã, Jesus vai entrar pela porta da cidade como um rei.
Daniel acenou com a cabeça.
E, aos poucos, foram ficando a saber que muita gente estava contente com o que ia acontecer no dia seguinte, mas outros, e esses eram os poderosos de Jerusalém, os altos sacerdotes e todos os que tinham poder, não estavam nada de acordo.
Viam nele um instigador da desordem e queriam ver-se livres dele o mais rápido possível.
O imperador fez da nossa terra uma parte do império romano — disse alguém. — Pilatos vai prendê-lo imediatamente, quando souber que as pessoas exaltam Jesus.
– Quem é então? — perguntou Daniel em voz baixa.
– O nosso vizinho Macabeus — respondeu Micha.
– Não, Pilatos. Quem é Pilatos?
– O governador do imperador romano. O representante dele em Jerusalém.
– Nós já tínhamos os nossos reis em Jerusalém — dizia agora alguém na sala ao lado. — Muitos. Mesmo que não tenham muito a dizer e tenham de obedecer aos romanos.
– Isso é o que o meu pai está sempre a dizer — murmurou Micha.
– E os altos sacerdotes do templo — disse agora uma mulher.
– E os rabinos que ensinam a lei de Deus e cuidam para que não seja infringida — acrescentou a mãe de Micha. — Eles são os piores.
– Nem tudo são leis de Deus
– Marta, como podes pensar assim? — Micha sentiu censura na voz da mãe.
– É Jesus que diz.
– É outra vez a minha mãe — sussurra Daniel com orgulho.
Jesus assim diz — volta ela a repetir energicamente. — Ele di-lo em nome de Deus.
– Como é que sabes? — perguntam várias vozes ao mesmo tempo em confusão.
– Eu estava lá — respondeu Marta.
– Eu também — Daniel deu um toque ao primo.
A voz da mulher na sala ao lado, soava clara e distinta. E os dois rapazes escutavam-na com a mesma atenção que os outros homens e mulheres.
– Eu estava lá — dizia — quando ele curou doentes. De repente, os paralíticos puderam andar. Os mudos voltaram a falar. Os cegos voltaram a ver. Eu estava lá quando ele, em Nain, acordou um rapaz da morte.
As pessoas abraçaram-no de tão felizes que estavam, mas Jesus repetia: “Não me agradeçais a mim, mas a Deus. Ele enviou-me para vós.” — Marta calou-se um momento, depois prosseguiu. — Jesus perdoa os pecados aos homens. Isso é o mais importante.
– Não! — respondeu tão alto o pai de Micha, que ele sentiu a sua indignação. — Perdoar os pecados. Só um pode fazer isso, e esse alguém é Deus.
– Isso é o que dizem os altos dignitários e os Doutores da Lei — disse Daniel a Micha, esquecendo-se de falar baixo. — Eles afirmam que ele blasfema contra Deus, por isso é que preferem matá-lo.
Então num ápice, as mães estavam ao lado deles com lamparinas.
– Vocês já deviam estar a dormir há muito — disse Rute em voz baixa.
– Não acordeis os pequenos — acrescentou Marta.
– Boa noite — respondeu Micha tão baixinho, que por fim, mal se ouviu.
– Boa noite — disse Daniel também baixinho.
– Durmam bem — disseram as duas mulheres ao sair.
Mas Micha esteve acordado ainda muito tempo, enquanto o primo, ao lado dele, já dormia profundamente. Aquilo que ouvira hoje não lhe saía da cabeça.
Micha e o Mistério da Páscoa – Conversas Noturna. Rolf Krenzer Micha und das Osterwunder Stuttgart, Gabriel Verlag, 2003 Traduzido e adaptado