Durante a refeição, pouco se falou. Mas Micha no mistério da Páscoa sentia claramente que aquela calma era aparente. Era como a atmosfera antes de uma tempestade.
Quando as mulheres levantaram a mesa, o silêncio era quase insuportável. Josha olhava em volta, calado, olhava um após outro e finalmente dirigiu-se a Tomás, o genro.
Estamos muito contentes por ter-vos finalmente conosco — disse ponderadamente. — A ti, à Marta e aos vossos dois filhos.
E então pigarreou.
– Mas ouvi dizer que vocês, em Canã partiram precipitadamente e abandonaram tudo.
O meu irmão e os meus pais estão a tomar conta das nossas coisas – respondeu Tomás calmamente.
– Vocês vieram mesmo com esse filho de um carpinteiro de Nazaré? – continuou Josha.
– Sim, com Jesus — respondeu Marta.
Agora era David que não conseguia manter-se calmo mais tempo.
– Esse Jesus é um falso profeta, Tomás! — exclamou portanto, inclinando-se para a frente. — Ele blasfema contra Deus!
– Foi Deus quem no-Lo enviou. Só faz o que Deus lhe manda — respondeu Tomás.
Então Josha interrompeu-o com uma voz cortante.
– E Deus pede-lhe que entre em Jerusalém como um rei? Como se fosse o Messias de quem estamos à espera há anos?
– Ele é o Messias.
– Quem é que disse isso? — Josha levantou-se agitado.
– Ele próprio — respondeu agora Marta.
– Ele blasfema contra Deus.
Então o velho deixou-se cair pesadamente no lugar. Respirava furioso.
– O Messias há-de salvar-nos e libertar-nos. É o próprio Deus que no-Lo vai enviar. Não acreditas no que dizem as nossas antigas escrituras, Marta?
– Eu acredito e confio em Jesus — respondeu Marta, olhando o pai firmemente nos olhos.
– Eu também — diz Daniel.
– Ele blasfema contra Deus, quebra as leis! É um falso profeta! — diz Josha, por fim, em tom de lamento, enterrando a cabeça nas mãos.
– Ele é o rei do céu e da terra — diz Tomás em voz alta. — Veio a Jerusalém para a festa da Páscoa e vamos todos ver como ele se apresenta como rei e Messias.
– Ele vai atirar-nos a todos para a perdição! — disse Josha, levantando-se. — Deixa-me — disse ele, rejeitando Marta, que queria segurá-lo.
– Pai!
– Deixa-o ir — disse Mara calmamente, detendo Marta. Josha já tinha deixado a sala. — Quer estar sozinho. Vai refletir naquilo que vós lhe dissestes.
– O que é que Jesus quer provar-nos, aqui em Jerusalém? — pergunta Jonatan.
– Ele também disse que tem de morrer — Micha ouviu claramente a voz da tia a tremer.
– A minha irmã tinha de se deixar enganar por um falso profeta — exclamou David, batendo com o punho na mesa.
– Meninos — a voz amedrontada de Mara soou no meio deles. — Hoje não vamos discutir por isso. Hoje, que estamos todos juntos em casa, após tanto tempo.
E começou a chorar. Rute abraçou-a.
– Como é que ele quer provar que é o profeta? — pensou Rute em voz alta.
– Devia-se obrigá-lo a isso — observou Jonatan. — Pelo menos foi o que disse um dos discípulos que eu encontrei há pouco.
– Quem é que encontraste? — perguntou Tomás.
– Ele ia contigo esta manhã atrás de Jesus. Acho que se chama Judas.
– Também o conheço — Rute olhou para a irmã. — Não era aquele com a caixa do dinheiro, que encontrámos esta manhã?
Marta acenou com a cabeça. Depois pôs-se em pé com um salto.
– Oh! Eu tinha prometido ajudar. Temos de preparar a refeição para a festa desta noite!
Tinha chegado o momento certo para as crianças.
– Levas-nos contigo? — pediram. Após uma curta hesitação, Marta consentiu.
– Também vou — gritou Jonatan. — As mesas têm de ser armadas e de certeza que ainda há muito para fazer. Pois toda a ajuda vai ser precisa e duas mãos de homem, de certeza absoluta — e fez um sinal com a cabeça à mulher. — Eu trago os três quando vier para casa. Vá, vamos.
Então o pai de Micha dirigiu-se para a porta.
Mas nesse momento, David levantou-se e agarrou Jonatan com força pelo braço.
– Queres mesmo ir, Jonatan? — perguntou-lhe. — Agora também andas a correr atrás desse falso profeta? Também já te convenceu a isso? Até ontem tinhas estado do nosso lado, vociferaste em voz alta contra todos os que quebram as leis e deste razão aos nossos doutores de leis e aos altos sacerdotes.
O tio David falava cada vez mais alto.
Por fim, Jonatan libertou-se da sua mão, aborrecido. Mas de um momento para o outro ficou vermelho de fúria.
– Quero ser eu mesmo a fazer uma ideia desse Jesus — disse — e isso só é possível se o conhecer de mais perto e souber mais coisas sobre ele. Talvez seja um falso profeta mas, se calhar, é mesmo o Messias. Eu quero descobrir por mim.
Micha ficou parado ao lado do pai, assustado. Nunca tinha visto o pai e o tio David discutirem. Gostava tanto do pai! E como adorava o tio! E ainda por cima tinham começado a discutir por causa de Jesus. Pegou na mão do pai e quis puxá-lo dali para fora.
– Papá — queixou-se, assustado.
David viu então como Micha estava infeliz.
– O teu pai tem razão — disse ele, e a voz soava tão afável como sempre — Observai esse Jesus com mais atenção. E depois voltamos a falar.
– Tudo bem — disse Jonatan, tentando fazer de conta que não tinha acontecido nada. — Então até logo! — e saiu depressa atrás dos outros, levando Micha pela mão.
Rolf Krenzer Micha und das Osterwunder Stuttgart, Gabriel Verlag, 2003 Traduzido e adaptado