A noite tem dois filhos: um chamado Sono e o outro chamado Sonho. Gosta, quando o tempo está frio, de os agasalhar debaixo do manto de veludo negro que, umas vezes, enfeita com estrelas brilhantes. Em outras, com nuvens carrancudas.
O Sono e o Sonho, como todos os irmãos, têm as suas brigas e aborrecimentos. E por quê? Ora, por tantas razões! Mas a principal é esta: é que o Sono gosta de dormir a bom dormir e o Sonho tem o hábito de aparecer pelo meio a meter-lhe fantasias na cabeça.
Quando isso acontece, a mãe, que gosta que a tratem apenas por Noite, sem dona nem senhora atrás do nome, aparece. Faz uma festa na cabeça de cada um, dá razão aos dois e depois aconselha:
Agora vamos dormir, porque amanhã é dia de trabalho.
De quem os dois irmãos não gostam nada é de um primo que têm chamado Pesadelo, porque é feio, irritante, e tem o costume de contar histórias de arrepiar, que deixam os dois muito trêmulos debaixo do manto da Noite.
Um dia destes, o Sono e o Sonho decidiram pregar uma partida ao primo Pesadelo. Sabem como então? Fingiram que estavam a dormir muito descansados e deixaram-no aproximar-se. Quando ele se preparava para lhes contar uma daquelas histórias de pôr os cabelos em pé, saltaram os dois da cama com lençóis brancos na cabeça, mascarados de fantasmas.
Pregaram um tremendo susto ao primo mal-encarado, que passou muitos meses sem aparecer.
Nesse dia então, a Noite cobriu-se com o seu manto de estrelas brilhantes e dormiu até de manhã com os dois filhos enroscados e felizes a seu lado.
José Jorge Letria Histórias do Sono e do Sonho Editorial Desabrochar, 1990